quarta-feira, 26 de setembro de 2007

Tudo é misterioso..


Tudo é misterioso
E eu não sou nada.

As verdades e as mentiras
Nada têm de dogmático:
Já viste como trocam de pele,
No silêncio,
Só para nos contradizer?

E eu acredito em tudo
Com uma descrença e desprendimento absolutos.
Reduzo-me à minha ignorância
E teimo como quem brinca ou mente.

A lógica é frágil
E a razão caminha segura
Em pontes sobre a loucura.

Tudo é circular e não há limites
Entre sensatez e disparate.

E assim, de tanto andar à roda
Para ver se encontro o que não acho,
Vejo a vida em círculos e é só isso que sei.

sexta-feira, 14 de setembro de 2007

Já chega...












Já chega

Vamos começar do zero, Tomás.

A nossa casa brilha como uma estrela num céu negro, vazio

À nossa volta já não há ninguém

Somos só nós,

Eu e tu, Tomás.

Abraço a tua fotografia na noite escura

Onde só o nosso lar brilha

E choro

Mas não deixo as lágrimas cair

Para que essa pequena chama não se apague.

Tomás

Fui ontem ver-te

O teu corpo transmudado em flores

Sorria-me, viçoso

E acariciei os teus lábios

Ao tocar ao de leve nas pétalas daquela flor.

A minha única âncora

A este sítio

Onde apenas a nossa casa brilha

É curiosamente aquilo que me faz voar

E desprender o meu pensamento daqui:

O sonho.

Sim,

Só o sonho me mantém presa à terra.

Um dia

Quando o sol corroer de vez a cor da tua fotografia

Tão linda

Tão muda

Tão ausente

Então a luz da nossa casa

Tremeluzindo

Apagar-se-á.

Nesta terra de almas penadas

Não se verá vivalma.

Depois, não sei o que acontece;

Mas a minha fé diz-me que nos reencontraremos

E abraço o teu corpo morno

As flores morrem

E desprendem-se da tua pele macia

E tu renasces-me nos braços

Há muitas estrelas a brilhar

Recomeçamos a vida do zero

E a morte,

Enfadada com a nossa vivacidade

Vai adormecer,

E nada entre nós vai voltar a morrer.


Mas a tua fotografia continua garrida

E aperto-a contra o peito

Na esperança de que renasças do chão,
Como um rebento do meu amor.

A outra vida que deus promete

Fica longe

E foi nesta que os nossos passos deixaram rasto

E sou demasiado fraca para abandonar as memórias

Que são aquilo de que me alimento.



4 de Fevereiro de 2004

quinta-feira, 6 de setembro de 2007

Solidão II

Por vezes aterro numa outra dimensão. Vejo uma mulher ressequida, magra, de aspecto duro. Essa mulher lembra-me uma jarra de barro tosca, quebrada na borda e já a perder a tinta.
Cabelos desalinhados, olhos vazios e tristes, como se lhe tivessem levado parte da alma, cigarro na mão, escape do coração cinzento.
Uma mulher a tentar encontrar nas palavras, desesperadamente, o sentido que lhe haviam garantido que a vida tinha, afinal.
Mas por mais letras que juntasse nenhum sentido emergia.

Sentia-se só… tinha acreditado mais nas palavras do que nas gentes, mas as palavras devolviam-lhe a solidão e a desconexão como um espelho.

Solidão

Solidão.
A solidão é o que nos acompanha em todos os momentos da nossa vida… Quer estejamos sós ou entre amigos. Nunca somos capazes de sentir o que os outros sentem, por mais que os toquemos ou os beijemos, por mais que os amemos, nunca são uma parte de nós, nunca vemos o mundo com os seus olhos nem tocamos na vida com os seus dedos.
“Nunca julgue seu vizinho até andar duas luas nos mocassins dele” – Provérbio Cheyenne. No entanto, por mais que andemos com os mocassins do vizinho, nunca saberemos o que ele sente ao pisar o mundo: provavelmente não calçamos o mesmo número, se calhar temos calos ou ele pode ter os pés inchados. Talvez a sabedoria dos índios tenha falhado neste aspecto.

Irremediavelmente e aterradoramente sós – por mais que usemos mocassins emprestados – esta é a condição humana.

quarta-feira, 5 de setembro de 2007

Tecto negro














Vim do vácuo,
Da escuridão,
Que as estrelas iluminam
De negro.

Vim de um sítio
Onde nunca soube
E aonde não voltarei
Porque deixei passar
O cometa que me trouxe.

Não conheço o mundo
Em que me vou afundando
Não sei o que faço
Nem o que faça.
Sinto-me estranha
E incrivelmente sólida
Na fluidez do tempo e do espaço.

Não me reconheço
Nos rostos que me olham
Nem no espelho.

Mas sei que
À noite,
Quando durmo,
Ficamos todos unidos
Pelo mesmo tecto negro
Onde as nossas alegrias cintilam
E os medos escorrem
Como estrelas cadentes.
Afinal,
Somos todos estrangeiros
No mundo em que vivemos.

segunda-feira, 3 de setembro de 2007

Sombras...











Se obstruíres a luz
Da tua existência
Com medos vãos
E opacos
Que não deixam a vida
Escoar,
Obterás
Sombras que alastram
E te assombram
Nesta viagem fugaz.